terça-feira, 28 de setembro de 2010

Sites brasileiros "traficam" arquivos sonoros com poder de simular efeitos de drogas

Elas têm nomes como cocaína, orgasmo e absinto, e podem ser encontradas facilmente na internet. No YouTube, não faltam vídeos mostrando internautas em estado de êxtase ao ouvir faixas batizadas de "Hand of God" (mão de Deus) e "Gates of Hades" (portões do inferno) com seus fones de ouvido.

As e-drugs são arquivos de áudio que, quando baixados e escutados por um período de 15 a 30 minutos, prometem induzir seus ouvintes a estados de euforia, sedação ou alucinação, dependendo da dose experimentada.

A alteração da mente seria provocada por ondas binaurais: cada um dos ouvidos recebe o som dos ruídos em uma frequência diferente, simulando no cérebro o efeito de uma droga de verdade

É o que propaga o site da I-Doser Experience, principal marca que disponibiliza esse tipo de arquivo na rede.

O site oferece dez pacotes diferentes cujo download custa US$ 16,95 (cerca de R$ 29). Alguns incluem as chamadas "simulações recreativas" de maconha, cocaína, ópio e peiote. Outros prometem prazer sexual, em faixas batizadas de "First Love" (primeiro amor) e "Orgasm".

O mesmo site mantém um fórum com mais de mil comentários de usuários, que descrevem suas experiências com as drogas digitais.

Um internauta relata que viu um fantasma depois de ter experimentado a dose "LSD". Outro que se diz portador de transtorno de deficit de atenção afirma ter ficado mais concentrado depois
de ouvir a faixa "Ritalina" (nome da droga usada para tratar esse distúrbio).

No Brasil, a moda está ganhando adeptos. No mês passado, entrou no ar um blog que revende as doses por preço abaixo do praticado no site oficial.

Mas entre os internautas brasileiros ouvidos pela Folha que disseram ter provado as doses, poucos descreveram efeitos como aqueles vistos nos vídeos ou detalhados no fórum.

"BAD TRIP"

"Faço como manda o site", diz o técnico de informática Olavo, 18. "Deito na cama, apago as luzes e ouço por 30 minutos, pelo menos".

Em uma dessas experiências, ele conta ter experimentado a "Hand of God", dose que seus amigos diziam ser a mais forte. "Até hoje não sei se aquilo foi sonho ou alucinação. Estava deitado e, de repente, o cobertor começou a criar vida, como se quisesse me engolir. Tive vontade de correr, sair. Não me lembro de como acabou, mas acordei no dia seguinte na minha cama, do mesmo jeito que estava antes. Comentei com meus amigos, mas nenhum tinha vivido algo parecido".

Olavo continua ouvindo as doses que considera fracas, como a "Marijuana" e a "Ecstasy", "só para relaxar".

A vestibulanda Rafaela, 19, experimentou a dose "Sleeping Angel", mas ao contrário do prometido pelo site teve um sono agitado: "Dormi enquanto escutava, mas achei ruim. Depois que o som acabou, comecei a acordar toda hora. Nunca mais".

A professora paranaense Andressa, 22, encontrou as e-drugs quando buscava analgésicos na rede para aliviar as dores que sente na coxa esquerda, fruto de uma meralgia parestésica (compressão dos nervos). "Topei com um arquivo chamado "Pain Killer" e achei que seria a solução", diz. Ela relata que ouviu por 35 minutos. "Só senti uma enxaqueca que passou no dia seguinte."

Embora zombado pelos amigos, o estudante catarinense Marlon, 15, continua ouvindo doses diárias da "Quick Happy". Segundo ele, o arquivo serve para pessoas de baixa autoestima.

O antropólogo Fábio, 29, já disse ter experimentado maconha, ácido, ecstasy -de verdade. Mas quando tentou suas versões digitais, decepcionou-se: "A dose da "marijuana" me deixou um pouco tonto, mas nada parecido com a de verdade".

ONDAS BINAURAIS

Para Sonia Brucki, neurologista do Hospital das Clínicas, as drogas digitais carecem de profundidade científica: "A música promove relaxamento e prazer porque libera endorfina e serotonina no cérebro", afirma.

A neurologista cita a repetição de mantras na meditação como forma de produzir sensação de relaxamento e fazer com que a pessoa se sinta desconectada do mundo ao redor. "Da mesma forma, um som muito caótico pode diminuir o grau de atenção e provocar algum grau de alienação", afirma.

Mas dizer que os ruídos emitidos via ondas binaurais pelos fones teriam os mesmos efeitos que uma droga é difícil: "Não vejo como isso liberaria substâncias nos neurotransmissores, como as drogas normais".

Para o historiador Henrique Carneiro, membro do Núcleo de Estudos Interdisciplinares sobre Psicotrópicos, as e-drugs não passam de "enganação publicitária".

"Música e transe são temas bastante ligados, basta ver os efeitos de um canto gregoriano, das batidas ritmadas das raves e até do acid rock. Isso não é propriedade dessas novas drogas."

O psicólogo Cristiano Nabuco, que coordena o programa de dependentes de internet do Instituto de Psiquiatria do HC, disse só ter atendido uma paciente que se queixava de dependência das drogas digitais: "Ela dizia que dava um barato. Mas o problema dela era outro: era dependência da internet".

Sobre os efeitos sentidos por alguns usuários, a explicação de Nabuco é simples: "Puro placebo. A pessoa atribui um significado ao som que não existe e acaba surfando na onda, sentindo exatamente o que quer sentir".

O psicólogo completa: "É uma grande exploração de incautos que estão em busca de algum recurso que possa anestesiá-los das pressões".

DROGA, BEATLES E MOZART

E-DRUG:

O som é contínuo, as modulações são muito lentas e não há articulação de notas, ritmo, refrão ou outras informações que existem em músicas. A sensação pode ser comparada a um efeito hipnótico: se a pessoa ouve por longo período, pode se envolver e perder a referência do tempo, até o final brusco da faixa, que corta o estímulo.

MÚSICAS:

Há informação e há criação de expectativas (de uma variação de notas ou de frases musicais. Tanto no gráfico do meio, de "Sargeant Pepper's Lonely Hearts Club Band", dos Beatles, quanto no trecho de "A Flauta Mágica", de Mozart, representado acima, há repetições e contrastes. Quem ouve tem noção de começo, meio e fim.

Fonte: Pedro Paulo Köhler, técnico em acústica do Departamento de Música da Escola de Comunicação e Artes da USP.

folha.com.br

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